Atlas, filho do deus do tempo Jápeto e de uma oceânide, e pai de Calypso, a carcereira benevolente de Ulisses, lutou contra Zeus na Titanomaquia, a guerra que opôs os Titãs ao Olimpo. Após dez anos de confrontos, os deuses olímpicos venceram e os Titãs foram castigados. Alguns foram enviados para o Tártaro, mas para Atlas estava reservado outro suplício: suster o céu para sempre, sobre os ombros. O Oceano Atlântico (o «Mar de Atlas») não sustém o céu, mas sustenta povoações e homens de três continentes, estando assim mais próximo de uma popular (mas equivocada) representação da lenda de Atlas, onde este nos surge a segurar a Terra em lugar do firmamento.

Contemplação. Conflito. Fusão. Recusa e agregação. É com estas linhas que Atlas se tece. Tendo o Atlântico como pretexto, a narrativa percorre as intrincadas relações do Homem com o ambiente e com as forças indomáveis que o subjugam e empurram para o abrigo. Aí, agregado nas urbes, confronta outra energia, menos palpável, que se revela nas ondas de demónios interiores que o mergulham num estado de solidão ilusório. O Atlântico – território de pescadores, brisas geladas e contos heróicos – é apenas um dos palcos desta tragédia: um lugar de contemplação mas também de confronto, onde o Homem enfrenta a natureza com o seu engenho e engenhos, e os seus desejos interiores com a graça de um guerreiro. Contudo, ao contrário do que aconteceu na Guerra dos Titãs, não há vencedores possíveis nesta batalha. Apenas o ciclo da vida e da morte.

 

Carlos M. Fernandes