Sem memória, cada noite é a primeira noite, cada manhã a primeira manhã, cada beijo, cada carícia, os primeiros.
Alan LIGHTMAN, Os Sonhos de Einstein

Quinze anos não são nada quando comparados com a idade do Instituto Superior Técnico (IST). Mas serão apenas quinze anos?

Oficialmente, a história teve início numa manhã de Outono de 1991. Porém, o enredo é mais antigo. Começou quando aprendi a abrir os olhos e a ver um mundo que, após deixar para trás lugares ultramarinos que nunca aproveitei, se transformou irremediavelmente na paisagem urbana que avistava desde o meu quarto.

O IST quebrava a monotonia da vista. Vi-o crescer, vi-o mudar, e o antropomorfismo chegou naturalmente. Chamava-lhe o Técnico, como é conhecido, e todos os dias, quando levantava a persiana, ele mostrava-se como que a lembrar-me do destino traçado. Havia uma certeza no ar, reforçada pela pretensão da família, mesmo quando ainda mal chegava com o nariz ao parapeito da janela: a minha vida passaria por ali.

Entrei, como se costuma dizer em calão pré-universitário. E o Técnico continuou a transformar-se. Nasceram duas torres que lhe alteraram dramaticamente a silhueta, e desapareceram três ou quatro pavilhões prefabricados (onde assisti às primeiras aulas), sem misericórdia, como a situação precária exigia. Outras marcas do passado foram ficando, perenemente agarradas às paredes e à pedra dos degraus, enquanto cicatrizes mais efémeras surgiam e desapareciam ao ritmo de um lugar vivo.

No conto «O Sul», Jorge Luis Borges fez notar que os animais vivem no presente, sem passado, na «eternidade do instante». Daniel Dennett, partindo da mesma premissa, concluiu que os animais não sabem sofrer. A memória é uma marca distintiva da condição humana, uma dádiva com a qual alargamos a existência arquitectando cosmogonias, e uma maldição que nos esmaga com a rotina, o tédio e a perda. A fotografia atenua o sofrimento precisamente porque nos oferece a eternidade do instante − privilégio que nos esteve vedado até 1839 −, sem nos tirar a capacidade de reviver o passado e fantasiar o futuro. Fotografa-se para se conseguir avançar, talvez mesmo para contornar a finitude, assinalando o percurso com migalhas que nos ancoram a instantes de outrora. Fotografa-se para celebrar.

Carlos M. Fernandes

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This text was written for the book I-S-T 95-75-15, released by ISTPress to accompany the exhibition with the same name (exhibition: Carlos M. Fernandes; Lisbon, 2006).